Método de Puls

Método de Puls

17/05/2020    

Quando se analisa o problema do abatimento de hidrogramas em reservatórios, depara-se com um problema de escoamento não permanente. O escoamento é caracterizado por uma grande profundidade e, consequentemente, baixa velocidade, de modo que os termos dinâmicos da equação dinâmica do escoamento são desprezíveis (TUCCI, 2007).

A forma amplamente difundida na bibliografia deve-se ao trabalho de Puls (1928) e Puls (1947), divulgado posteriormente de forma mais ampla como método de Puls modificado (BUTLER, 1957).

A água que entra no reservatório ao longo do tempo se refere a vazão afluente e fica temporariamente armazenada para sair pela tubulação, para então ser chamada de vazão efluente. Esta deve ser menor que aquela como decorrência do armazenamento. Essa redução de vazão é chamada de atenuação ou laminação. E o procedimento para calcular seu valor é chamado de propagação.

O Modelo de Puls caracteriza-se por supor que existe uma relação entre o volume armazenado e a vazão efluente, sendo esta, portanto, independente da vazão afluente. Isso equivale a assumir que a superfície do reservatório se mantenha plana e horizontal, o que é em muitos casos apenas uma aproximação dada a existência do remanso.

Para determinar a propagação dos cursos d’água em reservatórios, ou seja, bacias de detenção, o Método de Puls é amplamente utilizado. Ele consiste na equação da continuidade, que é um balanco da água que entra e da aguá que sai. Ele consiste na discretização do tempo, ou seja, passa-se de uma equação infinita (derivada) para finita (intervalo de tempo \(\Delta\)t), podendo ocorrer erros nos resultados devido a esse fato. Quanto maior a discretização de tempo maior as chances de ocorrer um erro. Nos exemplos utilizados é necessário que a vazão de pico seja um ponto na tabela de propagação, para isso temos que discretizar o tempo de uma forma coerente.

\begin{equation} \label{eq:eqcContinuidade1}\tag{1} I - O = \frac{\Delta S}{\Delta t} \end{equation}

Onde:
I: vazão média afluente ao reservatório durante o tempo \(\Delta\)t (\(m^3\)/s);
O: vazão média efluente do reservatório durante o tempo \(\Delta\)t (\(m^3\)/s);
\(\Delta\)S: variação no volume do reservatório durante o tempo \(\Delta\)t (\(m^3\));
\(\Delta\)t: período incremental (s).

Para resolver a equação \ref{eq:eqcContinuidade1}, primeiro reescreva para uma forma mais prática:

\begin{equation} \label{eq:eqcContinuidade2}\tag{2} \frac{I_{1}+I_{2}}{2}+\frac{O_{1}+O_{2}}{2}=\frac{S_{2}+S_{1}}{\Delta t} \end{equation}

Os subscritos 1 e 2 denotam o início e o fim, respectivamente, do período \(\Delta\)t escolhido. Os termos na equação \ref{eq:eqcContinuidade2} podem agora ser reorganizados como:

\begin{equation} \label{eq:eqcContinuidade3}\tag{3} \left (I_{1} + I_{2} \right ) + \left [\frac{2S_{1}}{\Delta t} - O_{1} \right ] = \frac{2S_{2}}{\Delta t} + O_{2} \end{equation}

Na equação \ref{eq:eqcContinuidade3}, todos os termos a esquerda são conhecidos de cálculos anteriores de propagação, enquanto os termos a direita são desconhecidos e devem ser determinados pela propagação em reservatório. Supõe-se, que:

  • A superfície da água nesse método é horizontal;
  • A vazão efluente é uma função única do volume de armazenamento;
  • A vazão efluente varia linearmente com o tempo, durante cada período \(\Delta\)t.

Com base na duração do ramo ascendente do hidrograma de entrada, um período \(\Delta\)t será escolhido. Então, é feito uma combinação dos termos conhecidos para criar duas relações: gráficos de O versus 2S/\(\Delta\)t + O e versus de 2S/\(\Delta\)t – O (figura 1) para achar a vazão de saída.

hidrogramaSCS Figura 1: Gráfico de O versus 2S/∆t+ O e de O versus 2S/∆t– O

No projeto de uma bacia de detenção, a equação \ref{eq:eqcContinuidade3} é usada no calculo do hidrograma de saída quando se conhece o hidrograma de entrada. Esse cálculo constitui uma propagação. Se a bacia de detenção não produzir os resultados pretendidos, os parâmetros devem ser revisados, procedendo-se então a uma outra propagação. Assim, o processo é de tentativa e erro até calibrar os melhores parâmetros.

Aplicação do Modelo

Para aplicação do modelo foi dimensionado um reservatório para suportar o dobro da sua capacidade de volume que é aproximadamente 6.000 \(m^3\), área total construída de 5.157,12 \(m^2\), altura da arquibancada de 2,70m, com degraus de 80x45cm, cota da soleira do vertedouro de 1,50m, largura da soleira de 5m, para 4 orifícios de 30cm de diâmetro (figura 2 e 3).

hidrogramaSCS Figura 2: Planta baixa do reservatório de 6.000 m³. hidrogramaSCS Figura 3: Vista do reservatório de 6.000 m³.

O diâmetro do orifício é algo que deve ser levado em consideração. É necessária a colocação de grelha para cobrir o tubo, como vivemos numa sociedade em que o vandalismo predomina, tubos com diâmetros muito grande podem representar perigo para os transeuntes, pois se arrancadas as grelhas, ficam buracos enormes nos quais uma criança pode cair durante uma chuva com uma lâmina d’água.

Segundo Gribbin (2009), o coeficiente de descarga, \(C_{d}\), é uma constante de proporcionalidade adimensional, responsável pela redução do fluxo em razão da perda de carga na entrada. O valor experimental de \(C_{d}\) para orifícios de borda reta varia de acordo com o tamanho, a forma e a quantidade de carga. No entanto, para a maioria das aplicações, resultados confiáveis podem ser obtidos com o uso de \(C_{d}\) = 0,62.

Com os dados de dimensionamento do reservatório, foi gerado a tabela 1 e gráficos (Anexo A) que relaciona a cota, área e volume.

cota (m) área (m²) volume (m³)
0 4283,52 0
0,45 4283,52 1927,58
0,6 4453,12 2582,83
0,75 4453,12 3250,8
0,9 4453,12 3918,77
1,05 4625,28 4599,65
1,2 4625,28 5293,44
1,35 4625,28 5987,23
1,5 4800 6694,13
1,65 4800 7414,13
1,8 4800 8134,13
1,95 4977,28 8867,42
2,1 4977,28 9614,02
2,25 4977,28 10360,61
2,4 5157,12 11120,69
2,55 5157,12 11894,26
2,7 5157,12 12667,82

Tabela 1: Parâmetros do reservatório de detenção.

A tabela 2 traz informações dos parâmetros de propagação, o cálculo da vazão está diretamente ligado a diferença de cota, sendo que, até a cota da soleira do vertedouro (1,50m) o orifício atua sozinho, quando a capacidade máxima do reservatório é atingida passa a atuar em conjunto, orifício e vertedouro, extravasando o excesso para garantir a integridade do reservatório e não ocorra transbordamento, sendo importante essa análise ao dimensionar o volume de projeto. Os parâmetros (2S/\(\Delta\)t)+0 e (2S/\(\Delta\)t)-0 ajudam a encontrar a vazão de saída em relação ao tempo (Anexo B).

O (m³/s) (2S/Δt)+O (m³/s) (2S/Δt)-O (m³/s)
0 0 0
0,212 10,921 10,496
0,26 14,609 14,089
0,3 18,36 17,76
0,336 22,107 21,435
0,368 25,922 25,186
0,397 29,805 29,011
0,425 33,687 32,838
0,451 37,64 36,739
1,009 42,199 40,181
2,008 47,198 43,181
3,295 52,558 45,969
4,813 58,224 48,598
6,531 64,09 51,028
8,428 70,21 53,353
10,489 76,568 55,591
12,7 83,077 57,677

Tabela 2: Parâmetros para o cálculo da propagação.

Com a informação do hidrograma de projeto é possível fazer a tabela 3, para encontrar o valor de (2S/Δt)+O é feito a soma da linha anterior das colunas 4 e 5 (equação \ref{eq:eqcContinuidade3}), já os valores (2S/Δt)-O e O deve ser feito interpolação com o auxílio da tabela 2 e do parametro (2S/Δt)+O, dessa forma achamos a vazão amortecida pelo uso do reservatório.

índice tempo (h) i (m³/s) \(i_{1}\)+\(i_{2}\) (m³/s) (2S/Δt)-O (m³/s) (2S/Δt)+O (m³/s) O (m³/s)
1 0,1 0 0 0,000 0,000 0
2 0,2 0 0,002 0,000 0,000 0
3 0,3 0,002 0,044 0,002 0,002 0
4 0,4 0,042 0,31 0,043 0,046 0,001
5 0,5 0,268 1,106 0,333 0,353 0,007
6 0,6 0,838 2,66 1,356 1,439 0,028
7 0,7 1,822 4,812 3,783 4,016 0,079
8 0,8 2,99 6,966 8,098 8,595 0,169
9 0,9 3,976 8,549 14,273 15,064 0,268
10 1 4,573 9,281 21,801 22,822 0,346
11 1,1 4,708 9,103 29,867 31,082 0,412
12 1,2 4,395 8,159 37,343 38,970 0,766
13 1,3 3,764 6,783 41,772 45,501 1,936
14 1,4 3,019 5,333 43,505 48,555 2,621
15 1,5 2,314 4,022 43,652 48,838 2,643
16 1,6 1,708 2,935 43,050 47,674 2,339
17 1,7 1,227 2,108 42,061 45,985 1,935
18 1,8 0,881 1,517 40,978 44,169 1,583
19 1,9 0,636 1,097 39,980 42,496 1,254
20 2 0,461 0,793 38,924 41,077 0,986
21 2,1 0,332 0,572 37,903 39,717 0,842
22 2,2 0,24 0,414 36,972 38,476 0,706
23 2,3 0,174 0,299 36,043 37,386 0,584
24 2,4 0,125 0,217 35,020 36,342 0,477
25 2,5 0,092 0,159 33,937 35,237 0,448
26 2,6 0,067 0,115 32,817 34,095 0,443
27 2,7 0,048 0,08 31,677 32,931 0,438
28 2,8 0,032 0,052 30,529 31,757 0,432
29 2,9 0,02 0,032 29,376 30,581 0,427
30 3 0,012 0,018 28,230 29,408 0,421
31 3,1 0,006 0,009 27,096 28,248 0,415
32 3,2 0,003 0,004 25,979 27,106 0,409
33 3,3 0,001 0,001 24,883 25,984 0,404
34 3,4 0 0 23,812 24,885 0,398
35 3,5 0 0 22,766 23,813 0,392

Tabela 3: Tabela de Propagação.

A figura 4 é utilizada pra analisar a diferença do pico da vazão, observe que a vazão efluente máxima ocorre no ponto onde o hidrograma de saída cruza o hidrograma de entrada. Essa é uma característica das propagações de reservatório. No hidrograma de saída o aumento da vazão aconteceu devido a utilização do vertedouro no instante de tempo aproximado de 1,10 horas.

cotaxvolumeArtigo Figura 4: Hidrograma amortecido.

Note também que a vazão efluente máxima de 4,708\(m^3\)/s corresponde a uma elevação máxima de reservatório de aproximadamente 2,1 metros, que pode ser determinado interpolando a taxa de descarga em relação a cota. Essa elevação se tornaria então o nível de água de projeto na bacia de detenção, apesar de passar 60cm cm da cota da soleira, o reservatório está bem dimensionado e não ocorrerá transbordamento.

Finalmente, observe que a propagação resultou em uma redução da vazão efluente máxima de 4,708\(m^3\)/s (entrada) para 2,643\(m^3\)/s (saída). Isso é uma atenuação de 43,86%, obtida pela equação \ref{eq:eqcContinuidade4}. O retardo no tempo é de aproximadamente 24 minutos.

\begin{equation} \label{eq:eqcContinuidade4}\tag{4} \frac{\Delta Q}{Q_{af}} = \left (\frac{Q_{p,af} - Q_{p,ef}}{Q_{p,af}} \right )\times 100 \end{equation}

Onde:
\(\frac{\Delta Q}{Q_{af}}\): diferença de laminação;
\(Q_{p,af}\): Vazão de pico afluente \(m^{3}\)/s;
\(Q_{p,ef}\): Vazão de pico efluente \(m^{3}\)/s.

Planilha

Estou disponibilizando a planilha no Google Sheet e Dropbox para auxiliar no cálculos e gráficos, lembrando que o formato do reservatório é muito importante para o cálculo.

Código

Feito a planilha, então vá ao meu respositório do Github e siga as instruções do arquivo Readme.md, o código retorna os valores da interpolação da vazão amortecida.


Fontes

BUTLER, S. Engineering Hydrology. [S.l.]: Prentice-Hall, 1957.

GRIBBIN, J. Introdução à hidráulica, hidrologia e gestão de águas pluviais. [S.l.]: CengageLearning, 2009. ISBN 9788522106356.

PULS, L. Flood Regulation of the Tennessee River. [S.l.]: 70th Congress, !st Session, U.S.Government Printing Office, 1928.

PULS, L. Bureau of Reclamation Manual. [S.l.]: U.S. Department of the Interior, Denver,1947.

TUCCI, C. Hidrologia: Ciência e Aplicação. [S.l.]: Editora da Universidade, UFRGS, 2007.(Coleção ABRH de Recursos Hídricos). ISBN 9788570259240.

Anexo A

cotaxvolumeArtigo Figura 5: cota x volume. cotaxvazaoArtigo Figura 6: cota x vazão. volumexvazaoArtigo Figura 7: volume x vazão.

Anexo B

volumexvazaoArtigo Figura 8: Parâmetros da reservatório de detenção.